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Vamos levar os produtos químicos a sério, nossas vidas dependem disso

Em artigo publicado na imprensa suíça, a diretora da Divisão de Direito da ONU Meio Ambiente, Elizabeth Mrema, alerta para a gestão inadequada de produtos químicos, incluindo as substâncias presentes no lixo eletrônico. Até 13 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa da poluição e da degradação ambiental, incluindo cerca de 190 mil por intoxicação acidental.
Para ONU Meio Ambiente, gestão de produtos químicos deve contar com estruturas de governança globais mais abrangentes. Foto: Pixabay
Para ONU Meio Ambiente, gestão de produtos químicos deve contar com estruturas de governança globais mais abrangentes. Foto: Pixabay

 

Porque a temática e tão pertinente e importante?

O artigo artigo traz uma perspectiva em âmbito global, contextualizando a evolução do campo e da cidade, graças as diversas tecnologias adquiridas. Enfatiza os produtos químicos, presentes em quase tudo que usamos. Desde conversantes para alimentos, produtos de limpeza, baterias e eletrônicos, até as inovações, dadas como responsáveis para mitigar os impactos das mudanças climáticas, rumo a uma transição á economia verde, como as células solares e os automóveis elétricos.

O futuro será verde e limpo? Ou perigoso e tóxico? Com essa indagação, Elizabeth Maruma Mrema, diretora da Divisão de Direito da ONU Meio Ambiente, traz uma visão clara, lúcida e preocupada sobre os rumos de nossas ações, e faça um apelo para mudanças. Resumir este artigo pareceu-nos que não faria sentido, deixar uma só palavra de fora estaria sendo um erro. Então, leia abaixo o artigo na íntegra.

a gestão de riscos de produtos químicos
A gestão inadequada de produtos químicos causa aproximadamente 13 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa da poluição e da degradação ambiental, incluindo cerca de 190 mil por intoxicação acidental. Foto: Divulgação.

 

Por Elizabeth Maruma Mrema, diretora da Divisão de Direito da ONU Meio Ambiente*

Quando eu era criança, crescendo no sopé do Kilimanjaro, meus pais cuidavam da nossa fazenda sem acesso a fertilizantes sintéticos, pesticidas e antibióticos. As colheitas eventualmente eram fracas e o gado às vezes sucumbia a doenças, mas o clima era mais previsível naquela época, as secas eram mais raras e havia menos espécies invasoras. A gente realmente precisava andar bastante para buscar água, mas ela era limpa, e nós vivíamos a maior parte do tempo sem o risco de exposição a substâncias nocivas.

Naquele tempo, os compostos químicos eram bem menos presentes em nossas vidas que, em muitos aspectos, eram mais difíceis do que hoje em dia. Ao mesmo tempo, os desafios, embora muitas vezes fossem grandes, eram menos complexos do que os que enfrentamos atualmente.

Produtos químicos agora são os tijolos da vida moderna. Eles estão em nossos remédios e produtos sanitários, preservam nossa comida e — através de baterias e outros componentes de nossos tablets e telefones — tornam possível a comunicação moderna. Também nos permitem usar painéis solares e carros elétricos, bem como outras tecnologias necessárias para mitigar os impactos da mudança climática e para acelerar nossa mudança rumo a uma economia verde.

Em outras palavras, as substâncias químicas fazem parte de nosso futuro. Mas esse futuro será limpo e verde ou tóxico e perigoso? A escolha é nossa, mas temos que agir com rapidez. Até 13 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa da poluição e da degradação ambiental, incluindo cerca de 190 mil por intoxicação acidental.

Sem garantir a gestão ambientalmente responsável de substâncias nocivas, a regulação adequada e a eliminação progressiva do uso de alguns compostos especialmente perigosos, nós continuaremos a ver mais vidas sendo perdidas para a intoxicação, a contaminação e a poluição. Todos nós já vimos os dados: a poluição não é um problema apenas de países em desenvolvimento. Parisienses e londrinos — para não citar o número significativo de poloneses e montenegrinos — também estão no combate aos gases tóxicos.

Ao mesmo tempo, corporações sem escrúpulos e o crime organizado continuam a transportar resíduos altamente tóxicos da Europa para as margens de muitas das nações mais pobres do mundo. Alguns desses resíduos fazem parte das 36 milhões de toneladas de lixo eletrônico que é processado sem regulamentação, ameaçando a saúde de centenas de milhares de mulheres e crianças e causando danos de longo prazo ao meio ambiente através da poluição por metais pesados.

A resposta regulatória global aos compostos químicos e ao lixo é simplesmente muito devagar para acompanhar o ritmo de um problema crescente. As Convenções de Basel, Roterdã e Estocolmo, que ajudam a controlar os fluxos e o descarte internacionais de resíduos nocivos, e o controle da produção e do uso dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) regulam atualmente cerca de cem compostos químicos.

Isso deixa aproximadamente 140 mil substâncias em circulação nos mercados internacionais de hoje, contribuindo para a produção anual de 10 milhões de toneladas de resíduos sólidos nas cidades. A maior parte desses compostos químicos não foi cuidadosamente avaliada por seus impactos ambientais e sobre a saúde.

Então, por que, com a ameaça representada por substâncias nocivas sendo tão evidente, é tão difícil alcançar uma governança internacional eficaz dos compostos químicos? Uma parte da resposta está em nossa atitude quanto aos riscos. Tendemos a esperar que uma substância prove ser nociva à saúde humana e ao meio ambiente antes de agirmos.

Relacionado a essa questão, está o papel do setor privado. Eles não apenas possuem um conhecimento superior sobre a maioria dos produtos, como também controlam a grana. Nenhum quadro regulatório efetivo pode ser pensado sem seu apoio e sem seus investimentos em testes e avaliações.

E também temos a China. Até 2030, a China deterá 44% dos 6,3 trilhões de euros movimentados pelo mercado de químicos. Isso significa que o fracasso em engajar adequadamente o país na governança das substâncias tornará sem sentido qualquer regimento futuro sobre compostos.

A boa notícia é que já estão sendo implementadas algumas tentativas para construir um regimento mais abrangente sobre compostos e resíduos. A Abordagem Estratégia para a Gestão Internacional de Químicos (SAICM) é uma plataforma voluntária única, na qual governos, o setor privado e a sociedade civil podem discutir questões envolvendo os produtos químicos e os resíduos. Um dos objetivos da SAICM é concentrar os esforços na concepção de uma estrutura de governança mais flexível para o período pós-2020, a fim de lidar com um leque mais amplo de substâncias.

2017 é um ano importante para os produtos químicos e para os resíduos. Nesta semana, cerca de 180 países estão se reunindo Genebra para as Conferências das Partes das Convenções de Basel, Roterdã e Estocolmo para decidir como enfrentar os impactos potencialmente nocivos sobre o meio ambiente e sobre a saúde causados por substâncias e resíduos. Eles terão a companhia de líderes da indústria, incluindo de empresas como Dow Chemical, Plastics Europe e Dell.

Em setembro, a Convenção de Minamata sobre Mercúrio realizará sua primeira grande reunião de Estados-membros e, em dezembro, a ONU Meio Ambiente sediará sua 3ª Assembleia Ambiental, também conhecida como a Cúpula da Poluição. Países serão convocados a firmar compromissos de forma honesta e resoluta para reduzir a poluição por meio de medidas práticas, incluindo políticas, leis e regulações.

Esperamos que esse chamado seja ouvido e que seja cumprido porque não podemos viver sem produtos químicos, mas não podemos continuar perdendo vidas para a poluição fatal causada pela gestão inadequada. Temos de levar os produtos químicos a sério, nossas vidas dependem disso.

*Artigo originalmente publicado no jornal suíço Le Temps, em 30 de abril de 2017, por ocasião das Conferências das Partes das Convenções de Basel, Roterdã e Estocolmo, realizadas em Genebra dos dias 24 de abril a 5 de maio de 2017. Para visualizar o conteúdo original acesse aqui.