Créditos de Carbono e a Nova Lei

1. Introdução

Os créditos de carbono e a compensação ambiental vêm ganhando destaque como mecanismos essenciais na luta contra as mudanças climáticas. Esses instrumentos permitem quantificar, reduzir ou neutralizar emissões de gases de efeito estufa e estão sendo regulados de forma mais clara no Brasil com a Lei 15.042/2024. Ao mesmo tempo, cresce o alerta sobre o greenwashing, a prática de apresentar uma falsa imagem de sustentabilidade. Neste artigo, analisamos como essas frentes se conectam e o que esperar do novo mercado brasileiro de carbono.

2. O que são créditos de carbono e compensação ambiental

Créditos de carbono são certificados que correspondem a 1 tonelada de CO equivalente (tCOe) que foi evitada, reduzida ou removida da atmosfera. Eles são gerados a partir de projetos como reflorestamento, conservação de florestas (como REDD+), energias renováveis, e eficiência energética.

A compensação ambiental ocorre quando empresas ou indivíduos neutralizam suas emissões adquirindo esses créditos de projetos certificados. No mercado voluntário, a compensação ocorre por iniciativa própria; já no mercado regulado, ela é obrigatória para empresas que ultrapassam determinados patamares de emissões.

3. Lei 15.042/2024 e o SBCE: o mercado regulado de carbono no Brasil

A Lei 15.042/2024, sancionada em 11 de dezembro de 2024 e publicada em 12 de dezembro, instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) como um mercado regulado de carbono no país.

3.1 Principais disposições da lei

  • Obrigatoriedade de reporte e controle: Empresas que emitem acima de 10 mil tCOe/ano devem reportar suas emissões. Quem ultrapassa 25 mil tCOe/ano deve apresentar planos e relatórios anuais com estratégias de redução ou remoção.
  • Ativos permitidos no sistema:
    • CBEs — Cotas Brasileiras de Emissões, alocadas pelo governo como permissões para emitir até certo teto;
    • CRVEs — Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões, gerados por projetos com metodologia acreditada e registro no SBCE.
  • Código de negociação: Os ativos são considerados valores mobiliários, sujeitos à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), inclusive quando negociados fora do mercado financeiro.
  • Governança: O SBCE será supervisionado por um Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM), um órgão gestor e um Comitê Técnico Consultivo, responsáveis pela implementação e fiscalização do sistema.
  • Fases de implementação: O cronograma prevê cinco fases progressivas, da regulamentação inicial até a plena operação do mercado, com planos nacionais de alocação de cotas e mecanismos de estabilização de preços.

4. Impactos e desafios

4.1 Benefícios esperados

  • Previsibilidade jurídica e estruturação de mercado: A lei fornece regras claras e segurança aos agentes privados, atraindo investimentos nacionais e internacionais e inserindo o Brasil no mercado global de carbono regulado.
  • Geração de receitas e PIB verde: Estudos apontam que o mercado de carbono brasileiro pode movimentar até US$ 100 bilhões até 2030, e potencialmente US$ 300 bilhões até 2050. Essa dinâmica é vista como instrumento de desenvolvimento sustentável, inovação tecnológica e valorização de ativos ambientais.
  • Inclusão social e territorial: A lei garante às comunidades tradicionais e povos indígenas direito público de comercialização e participação financeira em projetos realizados em seus territórios — com até 70% dos créditos destinados a essas populações em projetos REDD+, além de indenizações por danos.

4.2 Desafios estruturais

  • Regulamentação técnica pendente: Faltam definições sobre limites setoriais, métodos de certificação, interoperabilidade com mercados voluntários e internacionais — tudo objetos de atos regulatórios nos próximos dois anos.
  • Governança e fiscalização: A integridade do sistema depende da transparência na emissão, registro e negociação de créditos. Falhas nesse processo podem gerar distorções e minar a credibilidade do SBCE.
  • Riscos sociais e trabalhistas: Casos de trabalho em condições análogas à escravidão em projetos de carbono evidenciam fragilidades do mercado voluntário e a necessidade de fiscalização rigorosa, mesmo no setor regulado.
  • Vendas antecipadas e disputas jurídicas: No Pará, a tentativa de venda antecipada de créditos de projetos ambientais gerou recomendação judicial de anulação por violar a Lei 15.042, sobretudo no que tange à natureza dos ativos como valores mobiliários.

5. Greenwashing: o risco oculto

Greenwashing refere-se à estratégia de marketing que apresenta uma imagem de responsabilidade ambiental sem respaldo real. Empresas podem divulgar compensações por meio de créditos de carbono sem a devida verificação ou efetividade, criando uma ilusão de sustentabilidade. Apesar da lei não menciona explicitamente o termo, vários trechos alertam para fragilidades que podem facilitar práticas de greenwashing:

  1. Falta de integridade na certificação: Sem metodologias robustas nem auditorias confiáveis, créditos podem não representar reduções reais de GEE.
  2. Uso abusivo do mercado voluntário: Projetos não regulados podem ser explorados para fins de imagem corporativa, mesmo sem impacto real de mitigação.
  3. Ausência de transparência: Falta de rastreabilidade, divulgação opaca de contratos e resultados e ausência de penalidades efetivas podem permitir que marcas usem compensações como fachada verde.

A Lei 15.042/2024 destaca a necessidade de governança, controle, monitoramento e interoperabilidade entre os mercados voluntário e regulado para evitar que os créditos se tornem instrumentos meramente simbólicos.

6. Panorama futuro e recomendações

  • Acompanhar os decretos regulamentares: Nos próximos dois anos o governo deverá definir o plano nacional de alocação e regras detalhadas do SBCE. A evolução dessas normas será determinante para o sucesso ou fracasso do sistema.
  • Exigir critérios rigorosos de auditoria e certificação: Projetos que geram CRVEs precisam estar baseados em metodologias validadas e acompanhados por auditorias independentes para garantir integridade ambiental e social.
  • Engajar comunidades tradicionais de forma participativa: Garantir consulta prévia, distribuição de benefícios, indenizações adequadas e autonomia é essencial para legitimidade e justiça socioambiental.
  • Promover transparência e prestação de contas: Empresas devem divulgar claramente sua pegada de carbono, compra de créditos, origem dos projetos e resultados concretos, evitando ambiguidades que favoreçam o greenwashing.
  • Fomentar interoperabilidade internacional: Integrar o SBCE ao mercado global de carbono dá credibilidade e possibilidade de valorização dos créditos brasileiros, mas exige padrões compatíveis e aceitação internacional.

7. Considerações finais

A Lei 15.042/2024 representa um passo decisivo rumo à estruturação de um mercado de carbono regulado no Brasil, com potencial para gerar impacto ambiental, social e econômico positivo. Os créditos de carbono, quando bem implementados, são instrumentos poderosos de compensação ambiental e estímulo à transição energética e de uso da terra. No entanto, o sucesso do novo ambiente regulatório dependerá da implementação fiel de boas práticas, governança transparente, fiscalização social e combate ao greenwashing. Somente assim será possível criar um mercado de carbono que avalie impactos reais e contribua de fato para os compromissos climáticos do país e do planeta.

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