1. De Rio-92 às primeiras COPs: como tudo começou
As Conferências das Partes (COPs) são hoje o palco central da governança climática mundial. Com a COP 30 em Belém recém-concluída em 2025, é o momento de recapitular o histórico dessas conferências, entender o que realmente mudou no clima global em termos de acordos e políticas, e projetar os desafios que se colocam para as próximas rodadas de negociação.
A partir de 1995, as Partes da Convenção passam a se reunir anualmente:
- COP 1 – Berlim (1995): define o “Mandato de Berlim”, reconhecendo que os compromissos existentes eram insuficientes e abrindo caminho para metas mais fortes.
- COP 3 – Kyoto (1997): adota o Protocolo de Kyoto, o primeiro acordo climático com metas juridicamente vinculantes de redução de emissões para países desenvolvidos (média de -5,2% em relação a 1990 no período 2008–2012).
Apesar de limitações (cobertura restrita e ausência de alguns grandes emissores), Kyoto inaugurou a lógica de metas quantitativas e mecanismos de mercado (MDL, comércio de emissões) que influenciam o regime até hoje.
2. Dos grandes impasses ao Acordo de Paris
Com o passar dos anos, as COPs foram ganhando dimensão política e midiática. Alguns marcos:
- COP 15 – Copenhague (2009)
Vista como oportunidade de selar um grande acordo global, terminou com um compromisso político frágil e forte frustração. Ainda assim, consolidou a meta dos 2°C como referência internacional.
- COP 21 – Paris (2015)
Ponto de virada. A COP 21 adota o Acordo de Paris, um tratado global juridicamente vinculante que:
- Estabelece a meta de manter o aquecimento “bem abaixo de 2°C”, buscando limitar a 1,5°C;
- Introduz as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), revisadas periodicamente;
- Cria um regime de transparência e revisão global (global stocktake).
O Acordo de Paris substitui a lógica “top-down” de Kyoto por um modelo “bottom-up” universal, em que todos os países apresentam seus planos, sujeitos a pressão política e escrutínio global.
3. Glasgow, Sharm El-Sheikh, Dubai e Baku: a estrada até Belém
Na década pós-Paris, as COPs passaram a medir menos “novos tratados” e mais implementação e ambição:
- COP 26 – Glasgow (2021): produz o “Glasgow Climate Pact”, com destaque para o compromisso de “reduzir gradualmente” o uso de carvão e eliminar subsídios ineficientes a combustíveis fósseis, além de finalizar o livro de regras do Acordo de Paris (Artigo 6, entre outros).
- COP 27 – Sharm El-Sheikh (2022): grande marco é a criação do Fundo de Perdas e Danos, para apoiar países vulneráveis em impactos climáticos irreversíveis.
- COP 28 – Dubai (2023): o chamado “Consenso dos Emirados” é a primeira decisão de COP a falar explicitamente em “transitioning away from fossil fuels” nos sistemas energéticos, apontando o início do fim da era fóssil – embora sem decretar um “phase-out” completo.
- COP 29 – Baku (2024): apelidada de “COP do Financiamento”, adota um novo objetivo coletivo quantificado (NCQG) para o clima, triplicando a meta de financiamento para países em desenvolvimento para US$ 300 bilhões/ano até 2035, com aspiração de mobilizar US$ 1,3 trilhão/ano de todas as fontes. Também avança nas regras de mercado de carbono (Artigo 6), mas deixa decisões cruciais de mitigação para a COP 30.
É nesse contexto de pressão por mais mitigação, mais financiamento e mais justiça climática que surge a COP 30 em Belém.
4. COP 30 em Belém: quais foram os ganhos até agora?
A COP 30 em Belém tornou-se simbólica por ocorrer no coração da Amazônia, região-chave para a estabilidade climática global. Ela resultou no chamado “Pacote de Belém”, aprovado por 195 Partes.
Entre os principais ganhos até agora, destacam-se:
4.1 Consolidação da agenda de adaptação e justiça
- Compromisso político de triplicar o financiamento de adaptação, alinhando a meta de US$ 120 bilhões/ano até 2035 com o NCQG definido em Baku, ainda que o detalhamento de fontes e cronograma permaneça frágil.
- Criação de um Mecanismo de Transição Justa (Just Transition Mechanism) no âmbito da UNFCCC, voltado a apoiar trabalhadores e comunidades na transição para economias de baixo carbono – embora sem recursos dedicados garantidos.
4.2 Multilateralismo ampliado e “mutirão” climático
- O “Pacote de Belém” enfatiza um “mutirão global” de implementação, reforçando o papel de coalizões de cidades, estados, empresas e sociedade civil na entrega das metas de Paris.
- As decisões de ação climática global (Global Climate Action) valorizam planos setoriais, parcerias público-privadas e iniciativas não-estatais, consolidando a ideia de que o sucesso do Acordo de Paris depende de muito mais que governos nacionais.
4.3 Florestas tropicais e povos indígenas no centro
- Lançamento do Tropical Forests Forever Facility, com bilhões de dólares em promessas para proteger florestas tropicais por meio de pagamentos vinculados à conservação e restauração.
- Reconhecimento reforçado do papel de povos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo avanços em demarcações no Brasil e maior visibilidade política da Amazônia e de outras florestas tropicais.
4.4 Ganhos e limites na agenda de combustíveis fósseis
Aqui está um dos pontos mais controversos da COP 30 em Belém:
- A pressão de mais de 80 países por um roteiro global de transição dos combustíveis fósseis não entrou no texto oficial, devido à resistência de grandes produtores de petróleo e gás.
- Em resposta, Brasil, Colômbia e outros países anunciaram um plano voluntário de transição de fósseis e uma conferência específica sobre o tema para 2026, fora do guarda-chuva formal da COP.
Em resumo: a COP 30 em Belém manteve vivo o Acordo de Paris, fortaleceu a adaptação e o papel das florestas e da transição justa, mas recuou em relação à ambição esperada em combustíveis fósseis, criando um hiato entre ciência e política.
5. Desafios para as próximas COPs (COP 31 e além)
O balanço da COP 30 em Belém mostra avanços importantes, mas também expõe uma série de desafios para as próximas conferências:
- Recolocar os fósseis no centro das decisões oficiais
- Depois de Dubai ter reconhecido pela primeira vez a necessidade de “transitioning away from fossil fuels”, o silêncio sobre fósseis em Belém cria uma sensação de retrocesso. Próximas COPs precisarão retomar a discussão sobre phase-out vs. phase-down, alinhando compromissos com o orçamento de carbono remanescente.
- Transformar promessas financeiras em fluxo real de recursos
- O NCQG de Baku e as metas de adaptação em Belém ainda carecem de mecanismos claros de mobilização, critérios de adicionalidade e transparência, e um equilíbrio mais justo entre empréstimos e doações para países em desenvolvimento.
- Fechar o “gap” de mitigação para 2030–2035
- O primeiro global stocktake mostrou que as NDCs atuais ainda colocam o mundo em trajetória acima de 2°C. As próximas COPs terão de pressionar por NDCs 2035 mais robustas, com metas setoriais (energia, transporte, indústria, uso da terra) e planos concretos de implementação.
- Confiabilidade dos mercados de carbono e do Artigo 6
- Com o avanço das regras em Baku, o desafio agora é garantir integridade ambiental e social dos mercados de carbono, evitando dupla contagem, créditos de baixa qualidade e greenwashing.
- Integração entre clima, comércio e transição industrial
- A discussão sobre tarifas de carbono, cadeias globais de valor e políticas industriais verdes ganhará peso nas próximas COPs. A implementação do Pacote de Belém exigirá articulação com agendas de comércio, investimento e inovação tecnológica.
- Proteger a Amazônia e demais biomas em um cenário de múltiplas crises
- Para o Brasil, o desafio é transformar o protagonismo simbólico da COP 30 em Belém em políticas concretas de desmatamento zero, bioeconomia e inclusão social na Amazônia, sob um cenário de pressões políticas internas e crime ambiental organizado.
6. Conclusão: COP 30 em Belém como encruzilhada
O histórico das COPs mostra um movimento claro: de pequenos encontros técnicos a megaeventos políticos que definem, em grande medida, o rumo da transição climática global.
A COP 30 em Belém não foi a ruptura transformadora que muitos esperavam, mas consolidou avanços em adaptação, justiça climática, florestas tropicais e multilateralismo ampliado. Ao mesmo tempo, expôs os limites de um sistema que ainda não conseguiu alinhar a velocidade da política à urgência da ciência.
Nas próximas COPs, o sucesso será medido menos pelos discursos em plenário e mais pela capacidade de entregar redução real de emissões, financiamento em escala e proteção efetiva de pessoas e ecossistemas. O legado de Belém será definido por aquilo que o mundo fizer – ou deixar de fazer – a partir de agora.
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