ISCC GHG x GHG Protocol: diferenças essenciais

ISCC GHG x GHG Protocol: o que muda e quando usar cada um


Se você trabalha com biocombustíveis ou inventários corporativos, mais cedo ou mais tarde vai esbarrar na comparação entre a calculadora ISCC GHG e o GHG Protocol. Embora ambos tratem de emissões de gases de efeito estufa (GEE), eles resolvem problemas diferentes, com unidades, fronteiras e regras próprias. Este artigo mostra, de forma prática, onde cada abordagem brilha — e como evitar erros de enquadramento ao reportar resultados. Ao final, você terá clara a comparação entre a calculadora ISCC GHG e o GHG Protocol para decidir o que aplicar em cada projeto.

Em uma frase: escopos diferentes

  • ISCC GHG (ISCC EU 205): metodologia e regras de auditoria para calcular e comprovar emissões de cadeias de biocombustíveis segundo a RED II/RED III da UE — resultado expresso em gCOe/MJ do combustível e usado para conformidade e certificação.
  • GHG Protocol: padrões de contabilidade para inventários corporativos (Escopos 1, 2 e 3) e para ciclos de vida de produtos (Product Standard). É um framework, não uma calculadora específica.

Como calcula: fórmula vs. escopos

ISCC / RED II–III (cadeias de biocombustíveis)

A RED estabelece a fórmula de LCA para biocombustíveis/biolíquidos:
E = eec + el + ep + etd + eu – esca – eccs – eccr, com o resultado expresso em gCOe/MJ de combustível. Elementos incluem cultivo (eec), mudança de uso da terra (el), processamento (ep), transporte/distribuição (etd), emissões no uso (eu, que nas regras da RED é parametrizado e frequentemente zero para biocombustíveis), e créditos por manejo do solo (esca) e captura/reciclagem de carbono (eccs/eccr).

A ISCC EU 205 operacionaliza essas regras: permite valores totais default, default desagregados ou valores reais (actual values), desde que o caminho tecnológico da RED seja respeitado; além disso, amostragem, fatores e dados precisam ser auditáveis por organismo certificador.

GHG Protocol (organizações e produtos)

No Corporate Standard, as emissões são organizadas em Escopo 1 (diretas), 2 (energia adquirida) e 3 (demais indiretas), com fronteira organizacional definida por equity share ou controle (financeiro/operacional).
O Scope 3 Standard pede reporte por categoria e recomenda tratar CO biogênico separadamente.
Para produtos, o Product Life Cycle Standard trabalha com unidade funcional, admite cradle-to-gate ou cradle-to-grave e exige transparência sobre alocação e uso de dados.

Unidade de análise e comparabilidade

  • ISCC/RED: o resultado sempre sai em gCOe/MJ do combustível (ou energia final para biolíquidos), o que facilita comparar rotas energéticas na mesma base.
  • GHG Protocol – Produto: a unidade é a função do produto (unidade funcional) — por exemplo, “1.000 lavagens/ano” para um detergente — definida para refletir utilidade, durabilidade e qualidade.
  • GHG Protocol – Corporativo: o foco é o total anual em tCOe por escopo, não por MJ.

Implicação prática: converter um resultado ISCC (gCOe/MJ) em métricas corporativas exige combinar produção/energia do combustível com fatores corporativos — e o inverso também pede adaptações.

Dados, fatores de emissão e verificabilidade

  • ISCC: prioriza valores da RED (default/desagregados) e valores reais suportados por fatores oficiais (ex.: Anexo IX do Regulamento de Execução 2022/996), bancos como Ecoinvent, e traçabilidade por declarações de sustentabilidade. Tudo deve ser verificável em auditoria (incluindo amostragem de produtores e documentação de cálculos).
  • GHG Protocol: define o que relatar e como estabelecer fronteiras/qualidade de dados, mas não impõe um repositório único de fatores. Empresas podem usar fontes oficiais, setoriais e metodologias coerentes com o padrão, relatando hipóteses e incertezas.

Fronteira do sistema

  • ISCC/RED: cobre cultivo (eec), mudança de uso da terra (el), processo (ep), transportes (etd) e ajustes/créditos (esca, eccs, eccr). O uso (eu) é tratado conforme regras da RED e o resultado reportado por MJ, inclusive com referências a comparadores fósseis e critérios mínimos de saving na diretiva.
  • GHG Protocol – Produto: a fronteira pode ser cradle-to-gate (sem uso e fim de vida) ou cradle-to-grave, com justificativa explícita, separando fluxos biogênicos x não-biogênicos.
  • GHG Protocol – Corporativo: a fronteira é organizacional (equity/controle) e operacional (1, 2, 3).

Certificação e auditoria

  • ISCC é certificável: cálculos, fatores, amostragem e documentação são inspecionados por organismos de certificação; há regras detalhadas para uso de defaults RED e para verificação de valores reais.
  • GHG Protocol não certifica por si: é um padrão usado por programas/selos e auditorias externas, mas não é um esquema de certificação próprio — o próprio texto ressalta que o foco é contabilidade e reporte.

Tabela rápida de diferenças

AspectoISCC GHG (ISCC EU 205)GHG Protocol
FinalidadeConformidade e certificação de biocombustíveisContabilidade e reporte corporativo e de produtos
UnidadegCOe/MJ (combustível/energia)tCOe por escopo (corp.) / unidade funcional (produto)
Fronteiraeec, el, ep, etd, eu, – esca – eccs – eccrEscopos 1, 2, 3 (corp.) / cradle-to-gate/grave (prod.)
FatoresDefaults/desagregados da RED, ou valores reais auditáveisFontes diversas, com transparência e coerência metodológica
VerificaçãoAuditoria e rastreabilidade ISCCAssurance opcional por terceiros; não é um esquema de certificação
Uso típicoCadeias de bioenergia para mercado europeuInventários ESG, metas e pegada de produtos

Quando usar cada um (com exemplos)

  • Exportar etanol, HVO ou biometano para a UE?
    Use a ISCC GHG para produzir o valor em gCOe/MJ conforme a RED e gerar documentação certificável ao longo da cadeia (Sustainability Declarations, defaults/valores reais). É a escolha natural para mercados regulados e auditorias.
  • Relatório ESG, metas de descarbonização e SBTi?
    Use GHG Protocol – Corporate para inventariar Escopos 1, 2 e 3, definir fronteiras (equity/controle) e reportar por categoria de Escopo 3, separando CO₂ biogênico.
  • Eco-design e rotulagem ambiental de um produto (não só combustíveis)?
    Use GHG Protocol – Product com unidade funcional e fronteira cradle-to-grave, permitindo comparar versões e focar pontos críticos do ciclo de vida.

Erros comuns (e como evitar)

  1. Misturar unidades: comparar gCOe/MJ (ISCC) com tCOe/ano (corporativo) sem normalizar por produção/energia leva a conclusões enganosas. Padronize a base antes.
  2. Aplicar defaults fora do escopo: defaults RED só valem quando rotas/insumos batem com o Anexo V/VI; do contrário, calcule valores reais e documente.
  3. Fronteiras desalinhadas: em produto, declare se é cradle-to-gate e justifique; no corporativo, esclareça equity vs. controle.

Conclusão: A comparação entre a calculadora ISCC GHG e o GHG Protocol não é “maçã com maçã”: um é pista de auditoria para combustíveis no mercado regulado europeu; o outro é linguagem contábil universal para empresas e produtos. Use cada um no contexto certo — e traduza resultados entre bases (MJ ↔ unidade funcional/toneladas) quando precisar reconciliar compliance com ESG e design de produtos.

Conheça mais sobre estes inventários de carbono no nosso blog.

Mais sobre o ISCC aqui, e sobre o GHG Protocol, aqui.